Ediana Boeri: “Falar da minha história no agro é falar de amor” - Produzindo Certo
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Ediana Boeri: “Falar da minha história no agro é falar de amor”

A sócia-fundadora da Rede Agro Mulher + Maranhão quer integrar a força feminina que atua antes, dentro e depois da porteira

Nascida e criada no campo, Ediana Boeri trabalhou 18 anos em uma multinacional de mineração antes de finalmente assumir os negócios da família junto com o irmão e o pai, em Balsas, no Maranhão. “Atuamos mais fortemente na agricultura, com soja e milho na primeira safra, e milho, milheto, sorgo em segunda safra. Criamos animais para consumo, e no caso do gado fazemos a integração lavoura e pecuária após a colheita, que é o período mais crítico, em razão do nosso “verão”, onde não há chuvas e se torna uma fonte adicional de alimentação para o gado”, destaca ela.

Voltar para o campo não foi uma decisão fácil, pois ela se estabeleceu no ramo empresarial. Mas a paixão pelo agro e a vontade de ficar perto da família falaram mais alto. “Perdemos a mãe de forma abrupta e isso me fez sentir mais vontade de voltar. Não foi fácil em razão de que eu estava muito bem na empresa, tinha uma vida ‘tranquila’, mas a vontade de estar perto dos meus era maior”, lembra.

Há cerca de três anos, junto com outras parceiras, ela fundou a Rede Agro Mulher + Maranhão, que hoje reúne 140 participantes. A ideia surgiu após uma edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agro (CNMA). “Voltamos de lá entusiasmadas, porque vimos vários grupos de mulheres e tivemos a oportunidade de trocar muitas ideias que faziam total sentido para nós. A necessidade de compartilhar, de vivenciar, de interagir, de aprender e, especialmente de mostrar que o agronegócio brasileiro é incrível”, conta Ediana.

Em junho, foi realizado o Primeiro Encontro Agro Mulheres Mais, que mostrou oficialmente o que é a Rede e quais os objetivos. A CEO da Produzindo Certo, Aline Looks, foi uma das palestrantes do evento que reuniu cerca de 150 pessoas. “Reunir as mulheres, compartilhar o que temos feito e incentivar mais mulheres a ingressar efetivamente nesse movimento, um movimento em que só há vencedoras, aprendizados e oportunidades”, reforça Ediana.

Na entrevista a seguir, a produtora rural e administradora conta um pouco sobre a sua história no agronegócio, as conquistas e planos da Rede Agro Mulher + Maranhão, além de falar sobre como enxerga o futuro e os desafios relacionados à sustentabilidade no campo.

Já são quantas gerações da família no agro? Você representa qual geração?

A história da família, tanto do meu pai quanto da minha mãe, foi na agricultura, mas meus pais saíram de Planalto, no Rio Grande do Sul, e vieram “desbravar” em Balsas, Maranhão, porque, segundo meu pai, “estava cansando de juntar pedras”. Lá as terras exigiam o trabalho manual permanente. Então, poderia dizer que meu irmão e eu somos a segunda geração aqui, e originalmente, onde meus avós trabalhavam já não pertence à família.

Conta um pouco da sua história no agro.

Falar sobre a história no agro, é falar de amor, porque é uma atividade que acima de tudo a pessoa precisa amar. Para produzir a céu aberto é preciso coragem. Nós sempre moramos na propriedade rural, então não é só o local de trabalho, mas o lugar onde tudo acontece. Todas as memórias estão conectadas.

Quando terminei o ensino médio, fui pra São Luís, capital do Estado, para fazer faculdade. Fiz administração na universidade estadual e já comecei a trabalhar. O tempo foi passando, fiz pós-graduação, fiz outra faculdade, e lá se foram 18 anos… Perdemos a mãe de forma abrupta e isso me fez sentir mais vontade de voltar. Não foi uma decisão fácil em razão de que eu estava muito bem na empresa, tinha uma vida “tranquila”, mas a vontade de estar perto dos meus era maior. E nesses anos estou aprendendo a cada dia. E percebo o quanto ainda tenho para aprender e implementar. É um aprendizado permanente.

Quais os principais desafios dos produtores e produtoras do Maranhão?

Acredito que não seja somente do Maranhão, mas de boa parte ainda dos produtores brasileiros, é o de evoluir de “dono de fazenda” para “empresário rural”. As propriedades precisam evoluir e serem tratadas como empresa. Isso tem sido um processo evolutivo, estamos vendo cada vez mais homens e mulheres se profissionalizando para atuar na gestão das propriedades. E com isso vem outras questões importantes para a continuidade das Empresas Familiares, que são a governança, planejamento, investimentos, investidores, Continuidade e Sucessão. 

Quais os principais entraves para uma produção mais sustentável no Estado?

Esse tema dá “muito pano pra manga”. As questões ligadas a desmatamento, a fim de esclarecer e separar o desmatamento legal, do ilegal, especialmente porque hoje a grande maioria já se utiliza das técnicas de manejo do solo, como o plantio direto, rotação de culturas, utilizando plantas de cobertura que promovem o aumento da quantidade e da qualidade dos resíduos vegetais e da matéria orgânica que fica no solo, e cuidando diuturnamente para evitar queimadas nessas áreas. Tudo isso contribui para a sustentabilidade dos “agro ecossistemas” do cerrado.

Mas de modo geral, o que vemos são agricultores que adotam comportamentos alinhados com a sustentabilidade, que adotam manejos ecologicamente corretos, economicamente sustentáveis e socialmente justos.

Como surgiu a Rede Agro Mulher + Maranhão?

Em 2019, após o Congresso Nacional das Mulheres do Agro (CNMA), voltamos de lá entusiasmadas, porque vimos vários grupos de mulheres e tivemos a oportunidade de trocar muitas ideias que faziam total sentido para nós. A necessidade de compartilhar, de vivenciar, de interagir, de aprender e, especialmente de mostrar que o agronegócio brasileiro é incrível.

Logo em seguida começou a pandemia que mudou a forma das pessoas verem o agro, e foi quando a frase “o agro não para” se solidificou. Sabemos que o profissional do agro de modo geral, não está preocupado em falar do seu trabalho, a sua preocupação é produzir, e a mulher ganha espaço nesse sentido porque sempre esteve na propriedade, mas muitas das vezes “não aparecia”, era mais um trabalho de bastidores. 

Quais os objetivos do grupo?

Enaltecer e informar sobre o agro, integrar e interagir com as mulheres que atuam antes, dentro e depois da porteira são nossos principais objetivos. Deles se ramificam outros, que se conectam nessa interação. E fortalecer a participação feminina no agro, mostrando que ela já ocupa um espaço importante, e que ela pode e deve se sentir parte desse processo.

É muito comum vermos mulheres dizendo, “eu ajudo na fazenda”, sendo que ela é a responsável pelo administrativo e financeiro, isso não é “ajudar”, isso é trabalho, é cargo, função!

Há quanto tempo existe o grupo? Quantas mulheres participam e qual o perfil delas?

Estamos completando 3 anos de atividades e 2 anos de constituição efetiva como associação. Trabalhamos em conjunto e temos sede junto com o SindiBalsas e a Aprosoja. 

Temos uma diretoria com 16 mulheres, das mais diversas profissões, sendo que em sua maioria atuam diretamente no agronegócio, e somos 140 mulheres compartilhando conhecimento. Entendemos que não importa a profissão, mas a conexão que cada uma atua e o sentimento de se sentir parte e atuar no agro.

De forma geral, o que a Rede Agro Mulher + Maranhão faz hoje?

Nossas atividades são norteadas pelo compromisso e ética na multiplicação do conhecimento, para isso buscamos sempre verificar a origem e conferindo os créditos de sua origem, respeitando “o outro”, com apoio mútuo, gerando empatia e promovendo a sustentabilidade.

Em março de 2021, iniciamos em parceria com a escola CEAP, surgiu o “AgroMulher+ na escola” com o tema “Cultivando para conhecer, conhecendo para consumir”.

Contribuímos com a orientação e acompanhamento na construção de uma composteira, para produção de adubo orgânico, onde as crianças realizam atividades que permitem que levem para casa todo o conhecimento para o reaproveitamento do lixo, e a separação dele.

Foram construídos canteiros e as crianças fizeram o ciclo completo de plantar, regar, cuidar, até colher, conhecendo e aprendendo o funcionamento de uma horta. O projeto é maravilhoso, cheio de descobertas para os pequenos que vivenciaram o contato com a terra, com uma sementinha que vira uma plantinha.

Em abril de 2021 colocamos em prática um sonho, o de “falarmos sobre o agro”, pela Rádio! Iniciamos então “Programa Agromulher+” com o slogan “conectando o campo à cidade e a cidade ao campo”. 

Rádio Boa Notícia (91.1 FM) acolheu o projeto e passamos a compartilhar informações com notícias, cotações e entrevistas com profissionais e personalidades locais, nacionais e internacionais do universo agro. O programa é semanal e acontece aos sábados, das 8 às 10h.

Em 2022 iniciamos mais uma novidade! Estamos promovendo treinamento híbrido com o tema “autorresponsabilidade”, trabalhando a expansão da consciência, que acontece na nossa sede.

A inteligência emocional só será atingida quando o indivíduo for capaz de se responsabilizar pelo seu crescimento nas mais diversas áreas da vida, como também de contribuir para o crescimento das pessoas que o cercam.

Esse é o maior objetivo deste treinamento: por meio de temas que combinam competências emocionais e autorresponsabilidade, descortinar as fragilidades e ineficiências do treinando e fazer com que ele assuma total responsabilidade pelos seus resultados, sejam eles quais forem.

Quais as metas futuras do grupo?

Manter os nossos projetos ativos, e sermos uma única voz que une e integra, não só as mulheres, mas todos os profissionais que atuam no agro. Entendemos que a informação é a maior e melhor forma de contribuir com a sociedade. 

Como vocês trabalham os temas relacionados à sustentabilidade?

O termo sustentabilidade pode ser visto de muitos vieses, porque vai muito além da pauta mundial, mas de ações que promovam a sustentabilidade dos negócios, e é nisso que temos o papel fundamental da mulher, que promove novas relações de trabalho, a mudança nos valores sociais, com novas metodologias de empreendimento, e especialmente na gestão de pessoas e do ESG.

Vocês pretendem aprofundar as ações voltadas à sustentabilidade?

Apesar da grande preocupação do produtor brasileiro com a forma como os outros países nos veem, o atendimento à legislação brasileira, a mais rígida do mundo, onde o produtor, além de pagar imposto pelas terras, é obrigado a não utilizar uma parte (reservas, APP), ainda precisamos lidar com as moratórias impostas por alguns mercados, sendo que estes sequer as cumprem.

Entretanto, mesmo sabendo que o produtor atua de modo coerente e consistente, ele precisa provar isso, e esse é um caminho sem volta, assim como tem acontecido com a maioria das empresas de outros ramos de negócio.

Existem redes em outros estados?

Os movimentos de mulheres têm acontecido pelo Brasil e porque não dizer, mundo afora. Nossa atuação é especialmente na região de Balsas, mas isso não é um limitador, porque a tecnologia nos aproxima e nos conecta às mais diversas mulheres.

O programa no rádio, e a transmissão pelo Instagram nos mostra isso a cada novo programa, porque não há limite para conteúdo e profissionais. Temos conversado com pessoas pelo mundo a fora. Desde o início estamos interligadas com a Rede UMA (União das Mulheres do Agro) e com o nosso Sindicato de Produtores e com a Aprosoja, que sempre nos apoiaram e inspiram.

Como foi o primeiro encontro Agro Mulheres Mais?

Nossa! Emoção demais! Planejamos o evento para que as mulheres se sentissem acolhidas, para que interagissem, se divertissem e aprendessem. Acreditamos que esses objetivos foram alcançados!

Limitamos o evento para 150 pessoas, uma meta ousada para primeiro evento, e felizmente atingimos a meta e agora sabemos que ainda há espaço para juntarmos mais mulheres, já que a demanda foi maior que a planejada.

Criamos essa oportunidade para mostrar oficialmente e publicamente a nossa rede para as mulheres e para a sociedade. A presença das palestrantes, Renata Salatini e Aline Locks, CEO da Produzindo Certo, enalteceram ainda mais esse momento, porque tivemos conteúdo técnico e interativo juntos. 

As edições serão anuais? Tem previsão para o segundo encontro?

Esse é o plano! Anualmente reunir as mulheres, compartilhar o que temos feito e incentivar mais mulheres a ingressar efetivamente nesse movimento, um movimento em que só há vencedoras, aprendizados e oportunidades.

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