Tudo que você precisa saber sobre “financiamento verde” - Produzindo Certo
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Tudo que você precisa saber sobre “financiamento verde”

Que o mundo precisa evoluir para uma economia mais sustentável, já sabemos. Resta-nos agora saber como de fato fazer essa transição. Existem alternativas e um enorme potencial para quem quer investir e protagonizar essa revolução.

E o Brasil, vale sempre destacar, tem todas as condições para assumir um papel de liderança neste novo contexto global. Em grande parte, por meio do agronegócio. São diversos mecanismos já disponíveis para o setor, como o mercado de carbono, os pagamentos por serviços ambientais, os modelos de créditos e certificações.

Mas ainda há inúmeros desafios pela frente, como a efetiva regulamentação de alguns mercados e a maior valorização dos ativos ambientais. Fatores como esses são fundamentais para que seja cada vez mais simples e vantajoso investir em sustentabilidade.

Para entendermos um pouco mais as oportunidades, os desafios e, sobretudo, os projetos e dispositivos que vão ditar os caminhos da sustentabilidade daqui para frente, confira a seguir a seguir a entrevista com o CFO da Produzindo Certo, Thiago Brasil.

O ano de 2023 foi desafiador para o produtor por diversos fatores (preços baixos das commodities, clima, inflação, conflitos). Diante desse cenário, quais foram os diferenciais da produção responsável?   

Além de representar a possibilidade de um prêmio sobre o produto tradicional, a produção responsável vem se consolidando cada vez mais como um pré-requisito para a comercialização e o acesso a alguns mercados, como é o caso do Europeu.

O novo Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), com vigência prevista para iniciar em dezembro de 2024, e que proibirá a importação de produtos provenientes de áreas com desmatamento legal ou ilegal identificado até dezembro de 2020, vai gerar um impacto relevante no setor agropecuário brasileiro, uma vez que exclui do mercado propriedades em zona de fronteira agrícola, ou com recente abertura de áreas para cultivo/pecuária, ainda que legal.

Adiciona-se a isso o fato de que grandes companhias da cadeia do agronegócio mundial, visando a se adequar às novas legislações e engajadas em atender os apelos dos consumidores, já se posicionaram com compromissos públicos de eliminar o desmatamento de sua cadeia de suprimentos pelo menos até 2030.

Mercados como o de carbono e de pagamentos por serviços ambientais e demais créditos de sustentabilidade, como os Créditos RTRS (Round Table Responsible Soy), relacionados à soja responsável, ou como os Créditos de Couro (Leather Impact Accelerator – LIA), relacionados à produção de couro livre de desmatamento e ao bem-estar animal, representam uma renda adicional que ajuda a recompor as margens perdidas com fatores que fogem ao controle do produtor, como a guerra e o clima.

À medida que os preços dos ativos ambientais aumentam, e a legislação evolui, investir em sustentabilidade fica cada vez mais vantajoso e começa a se consolidar como uma nova fronteira de possibilidades para investimento.

O atual Plano Safra trouxe avanços para a valorização do agro responsável? O que falta para ele sair do papel?

Tivemos avanços importantes que realmente podem mudar o ponteiro no sentido de destravar investimentos em sustentabilidade e melhores práticas.

Os produtores rurais que já estão com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) analisado e que também adotam práticas agropecuárias consideradas mais sustentáveis terão até 1% de desconto na taxa efetiva de juros.

O desconto será cumulativo, sendo 0,50% no custeio para práticas mais sustentáveis (bioinsumos, tratamento de dejetos, energia renovável, rebanho rastreado e certificação de sustentabilidade, etc), e 0,50% para quem tiver o CAR analisado em uma das seguintes condições: (i) Programa de Regularização Ambiental (PRA), (ii) sem passivo ambiental, (iii) passível de emissão de cota de reserva ambiental. Considerando o volume de R$ 272,12 bilhões para custeio, estamos falando de aproximadamente R$ 2,72 bilhões de incentivo à adoção de práticas mais sustentáveis. É um volume significativo e que pode destravar bons projetos e adequações necessárias.

A maior dificuldade agora, no entanto, vem da própria capacidade do Governo de analisar os CARs das propriedades brasileiras. Hoje, apenas cerca de 7% dos 6 milhões de CAR’s do Brasil já iniciaram ou percorreram alguma etapa do processo de análise.

Além disso, é preciso ter uma definição clara em relação às certificações e práticas que serão aceitas para obter o benefício. Ainda existe um bom trabalho pela frente, mas a iniciativa é muito boa e tem o potencial de destravar outras.

Quais as principais oportunidades para o “financiamento verde” em 2024? E quais os desafios?

Existe um potencial enorme para investimentos e financiamento na transição para uma economia mais sustentável e também para o desenvolvimento de Soluções Baseadas na Natureza (“SBN”). São necessários mundialmente, algo próximo a USD 675 bilhões em investimento até 2050* (Fonte: State of Finance for Nature (UNEP, 2022)) para que se possam cumprir com as metas climáticas do Acordo de Paris, e cerca de 20% (USD 135 bilhões) são através de oportunidades no Brasil, sendo que 63% (USD 85 Bn) são relacionadas a soluções de conservação florestal, 21% (USD 28 Bn) a reflorestamento e 14% (USD 19 Bn) a manejo da agropecuária (Fonte: Soluções Baseadas na Natureza para os Negócios (CEBDS, 2021).

O maior desafio, no entanto, vem do fato de que a maior parte desses projetos ainda é muito dependente de capital paciente, estruturas de blended finance ou grants, devido à baixa remuneração dos ativos ambientais como carbono, prêmio na diferenciação de produtos, ou créditos de sustentabilidade que potencialmente poderiam ser utilizados como fonte de repagamento ou como garantias da operação.

Algumas mudanças ainda se fazem necessárias para que os preço dos ativos se tornem atrativos, e boa parte passa pela esfera governamental, como, por exemplo, a regulamentação dos mercados de carbono, diretrizes comerciais (incluindo fiscalização) para impedir/restringir a aquisição de produtos oriundos de áreas de desmatamento, e uma maior padronização das metodologias para emissão de créditos de sustentabilidade, incluindo o carbono.

O posicionamento do consumidor já vem mudando, e algumas empresas estão se posicionando para adotar práticas mais sustentáveis. No agronegócio isso já é bem perceptível, considerando o volume de investimentos para o desenvolvimento da rastreabilidade, para a adoção de práticas de sustentabilidade na cadeia de fornecedores e também de práticas comerciais mais severas visando a barrar a aquisição de produtos provenientes de áreas de desmatamento.

A União Europeia, tem dados bons exemplos e avançado nas pautas. Já o Brasil, no entanto, ainda precisa avançar bastante com a agenda regulatória, e explorar melhor toda sua biodiversidade.

O País tem todas as condições de assumir um papel de vanguarda considerando sua participação no agronegócio mundial e seu potencial de SBN. O mercado de capitais já está sendo criativo e possui boa parte dos instrumentos financeiros para fomentar novas iniciativas, mas o custo do crédito e o baixo preço dos ativos ambientais ainda dificultam a escalabilidade das operações.