Acordo de Paris: riscos ou oportunidades? - Produzindo Certo
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Acordo de Paris: riscos ou oportunidades?

Cinco anos após o Acordo de Paris, como a agricultura de baixo carbono e ganhos de produtividade andam juntos no agro moderno e responsável

Acordo de Paris completa 5 anos.

O mês de dezembro de 2020 marcou os cinco anos do Acordo de Paris, um movimento global para estimular a economia de baixo carbono e reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) para conter os efeitos das mudanças climáticas até o fim deste século.

Mais do que uma ameaça ao agronegócio, o Acordo de Paris com o desenvolvimento sustentável pode e deve ser encarado como oportunidade para ganhar produtividade, garantir a inserção em mercados internacionais cada vez mais exigentes e agregar diferencial competitivo ao Brasil, que pode ser tornar o maior produtor sustentável de alimentos do mundo.

“Em outros países, o problema está em transporte e geração de energia. No Brasil, nossa questão é controlar desmatamento, recuperar pastagens e aplicar boas práticas agrícolas. É muito mais uma oportunidade. Ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência do agro, diminui emissões. É uma situação privilegiada”, concorda Fernando Sampaio, diretor executivo do Instituto PCI, organização criada pelo governo do Mato Grosso justamente durante a COP-21, que selou a criação do Acordo de Paris, em 2015.

O PCI também completou cinco anos em 2020, período em que definiu políticas públicas, criou programas e captou recursos no Brasil e no exterior para ações que conciliam produção e conservação de recursos, além da inclusão sócio produtiva de agricultores e populações tradicionais. Avaliando o período, Fernando Sampaio reforça alguns resultados como a manutenção do controle dos índices de desmatamento no Mato Grosso – em ritmo quase três vezes menor que estados vizinhos do bioma amazônico – e atração de investimentos de organismos internacionais. Ele também reconhece o tamanho do desafio para obter resultados consistentes nas mudanças de práticas de cultivo.

“As metas da PCI orientaram o plano de controle de desmatamento do Mato Grosso. Como reconhecimento a esses esforços, a Alemanha ofereceu a parceria do REM, programa que remunera o esforço de mitigação de agricultores e povos ou comunidades tradicionais e ajuda a manter a floresta em pé. Os resultados alcançados com o desmatamento permitiram ao estado captar empréstimo do Banco Mundial que, por sua vez, está facilitando a recuperação da situação fiscal do estado. É uma cadeia de fatos interligados. Temos avanços, a estratégia está funcionando e a gente acha que dá para acelerar ainda mais”, conclui.

O Instituto PCI é um dos articuladores de outro projeto relevante no Mato Grosso, que envolve seis das principais traders globais de soja — ADM, Bunge, Cargill, COFCO International, Glencore Agriculture e Louis Dreyfus Company –, reunidas no Soft Commodities Forum, o Environmental Defense Fund (EDF) e a Produzindo Certo para ampliar a produção responsável do grão na região. A iniciativa trabalhará, em uma primeira fase, com produtores rurais dos municípios de Campos de Júlio e Planalto da Serra, que receberão, além de assistência técnica da Produzindo Certo, apoio financeiro para adequação socioambiental de suas propriedades em 2021.

Clique aqui para conhecer mais sobre o projeto para produção de soja responsável no Mato Grosso.

Mais produtividade

Zerar o desmatamento não apenas é possível, mas é fundamental para que a agricultura brasileira seja mais produtiva e lucrativa segundo o relatório Visão 2030-2050 – O Futuro das Florestas e da Agricultura no Brasil, da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura. A organização reúne 181 entidades ligadas ao agronegócio, à indústria, à academia e a organizações ambientais.

Trabalhar com produtividade é um ponto estratégico para aumentar a rentabilidade dos produtores – e essa produtividade está diretamente associada a práticas de menor impacto ao meio ambiente.

Uma das metas previstas para alcance do Acordo de Paris foi a conversão de 5 milhões de hectares para sistemas de produção integrados Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Esse índice, segundo estudo do Imaflora, já foi alcançado e a perspectiva é que se amplie ainda mais uma vez que a prática eleva a produtividade e diversifica a produção de agricultores e pecuaristas.

O sistema ILPF está baseado na intensificação do uso da terra e no aumento da eficiência produtiva, sendo mais vantajoso para os agricultores e pecuaristas, que rotacionam culturas em uma mesma área, mantêm a fertilidade do solo e geram benefícios diretos também para o meio ambiente. 

Além de reduzir as emissões, é preciso pensar em medidas de adaptação às mudanças do clima, como o aumento do período de seca. E aí também o melhor manejo do solo pode gerar benefícios adicionais. O plantio direto, por exemplo, ajuda a manter a umidade, por conta da palhada que permanece mais tempo no solo, além de reduzir a perda de nutrientes e evitar a erosão. Na pecuária, diferentes projetos estão buscando quantificar os benefícios para captura e armazenamento de carbono no solo com programas de recuperação de pastagem. 

Para mudar a sua imagem e comprovar seu potencial sustentável, o agro tem o desafio de demonstrar os benefícios dessas práticas, avançando em sistemas de verificação e mensuração dos seus impactos. “As pressões existem e muitas vezes utilizadas de forma inadequada, que não refletem o que vemos no campo. Em nossos diagnósticos socioambientais e assistência aos produtores rurais buscamos levar informação, traduzir a legislação e as boas práticas”, afirma Aline Locks, CEO da Produzindo Certo, reforçando que é importante auxiliar os produtores a avançarem cada vez mais. E, da mesma forma, fazer com que essas técnicas e tecnologias estejam disponíveis em larga escala no campo. 

Por isso a informação e a assistência técnica são ferramentas tão importantes. E mecanismos de financiamento público e privados. No âmbito do governo, o Plano ABC oferece crédito com juros subsidiados. Lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2020, o Programa Floresta+, e o projeto de lei 5028/2019 que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), aprovado no Congresso neste mês de dezembro e que aguarda sanção presidencial, são outros instrumentos que devem ajudar a movimentar o mercado de investimentos para conservação ambiental e manejo adequado do uso do solo. 

No plano privado, por sua vez, mecanismos de precificação de carbono ainda dependem de regulamentação, mas negociações do mercado voluntário são cada vez mais frequentes.

Nesse contexto, é possível afirmar que o Brasil, como potência agropecuária global, combina fatores únicos como área de produção e condições climáticas que favorecem suas atividades. Os modelos não são simples e os resultados demoram a chegar na ponta, mas, se bem trabalhadas essas características podem fazer o país mudar a visão do agronegócio brasileiro no mundo e dar a sua contribuição à agenda climática ao mesmo tempo em que produz alimentos para nutrir uma parte importante da população mundial. 

O que é o Acordo de Paris?

Tratado internacional aprovado por 195 países, celebrado em 2015, dentro das negociações dos países que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). As nações se comprometeram em reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE), com o objetivo de manter a temperatura média do planeta abaixo de 2° celsius. É uma tentativa de conter os efeitos do aquecimento global e seus riscos, tais como desertificação, escassez de água, aumento das inundações e do nível do mar, além de prejuízos à agricultura e ameaças à segurança alimentar. 

O Brasil e cada um desses países, definiram voluntariamente suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). No caso brasileiro, o compromisso foi o de reduzir 37% das emissões de GEE em 2025, e 43% em 2030, índices comparados ao que foi emitido em 2005. Entre as ações para alcançar a esse desempenho, estão aumento da participação dos biocombustíveis, que consequente aumento na produção de etanol e biodiesel, zerar o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira, restaurar ou reflorestar 12 milhões de hectares de floresta e o aumento dos sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta. 

Como previsto no tratado, o marco de cinco anos é completado pela revisão de cada país das suas NDCs. O Brasil manteve as metas de redução percentual de emissões para 2025 e 2030 e o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Também estabeleceu o marco de 2060 para atingir a neutralidade de carbono, ou seja, quando o país compensará todas as suas emissões de GEE. Mas a polêmica está longe de ser pacificada, com um desencontro entre a expectativa de organizações ambientais e do governo sobre o quão ambiciosos são esses compromissos. O governo admite que pode antecipar o prazo de 40 anos para chegar à neutralidade, caso os países desenvolvidos invistam US$ 10 bilhões anuais para projetos de conservação brasileiros a partir de 2021. Esse é mais um sinal de que o tema seguirá na pauta de debates e negociações dentro e fora do país.