Luciana Dalmagro: A receita é aprender, trabalhar e inovar - Produzindo Certo
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Luciana Dalmagro: A receita é aprender, trabalhar e inovar

Ela trocou a carreira como farmacêutica pelo agronegócio e ajudou a revolucionar o negócio da família com soluções modernas e sustentáveis

Farmacêutica, mestre em Ciências, gestora empresarial, produtora rural e empreendedora. É assim que a vencedora do Prêmio Mulheres do Agro 2020 se apresenta. Luciana Dalmagro também participa de diversos projetos com foco em sustentabilidade e desenvolvimento social e foi eleita pela Bloomberg Línea, em 2021, como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina. 

Há cerca de 12 anos, ela trocou a carreira como pesquisadora em ciências farmacêuticas pelo agronegócio e mergulhou de cabeça no principal negócio da família: a avicultura. “Foi algo muito maluco, pois eu estava super bem na minha profissão em São Paulo, mas internamente comecei a me sentir diferente e a questionar muitas coisas”, conta Luciana.

Desde então vem liderando uma verdadeira revolução na produção de frangos de corte, que alia sustentabilidade e tecnologia. No interior de São Paulo, a fazenda da família conta hoje com sistemas modernos, como a automatização da pesagem dos pintinhos, a captação de 3 milhões de litros de água da chuva, a geração de energia solar e o uso de um biocompostador, que transforma o resíduo da criação de aves – antes um grande problema – em adubo orgânico.

“Quando começamos a nossa jornada no universo sustentável algo que ouvíamos muito era: ‘Olha, geralmente quando se começa a trabalhar com sustentabilidade, a produtividade cai’. Esse foi um grande paradigma que conseguimos quebrar”, relembra a produtora rural.

Em entrevista ao Blog da Produzindo Certo, Luciana conta detalhes da sua trajetória no agro, os desafios que enfrentou ao iniciar a sua jornada pela produção sustentável e dá dicas valiosas para quem está trilhando o mesmo caminho. Confira!

Como foi a decisão de deixar a sua profissão como farmacêutica para assumir o comando da fazenda? 

Foi algo muito maluco, pois eu estava super bem na minha profissão em São Paulo. Mas internamente comecei a me sentir diferente e a questionar muitas coisas. Os principais questionamentos eram: por que eu nunca pensei em trabalhar na fazenda? Por que me afastei do interior? Por que não tentar viver a experiência de ser produtora ao lado dos meus pais? Com estas dúvidas, eu resolvi chamá-los para uma conversa. E é claro que eles foram pegos de surpresa, nunca imaginaram que eu faria este movimento. Mas para a minha surpresa (depois do susto) eu fui super bem recebida por eles e pelo nosso time da fazenda. Acho que a minha postura de chegar com muita humildade e muita vontade de aprender colaborou para a receptividade.

Quais as principais dificuldades nesta transição? 

Recomeçar uma carreira nunca é fácil. Sobretudo quando a pivotada é muito grande na carreira. Saí da área de pesquisa em ciências farmacêuticas para o agronegócio, imagina só. Eu era fazendeira de final de semana. E aí, praticamente do dia para a noite, me vi dentro de uma operação complexa que é uma fazenda de produção de frango de corte. Mas hoje vejo que essa complexidade foi a isca que me prendeu ao negócio. Quando entendi o tamanho desta cadeia que é a avicultura eu realmente decidi ficar para aprender, trabalhar e inovar.

Você enfrentou algum tipo de preconceito ao decidir se dedicar ao agro? Se sim, de qual forma? 

Eu fui muito bem recebida pelos meus pais e pelo nosso time da fazenda. Não senti preconceito de forma alguma. As dificuldades começaram a aparecer quando, há mais ou menos 10 anos, iniciamos a nossa jornada no universo da sustentabilidade. Muita gente não entendia direito o que estávamos fazendo e assim ficava mais fácil criticar. Críticas vazias, do tipo: “Se vocês estão falando que o que vocês fazem é sustentabilidade, vão pensar que os demais produtores não fazem.” De fato, muita coisa era nova, até a gente se sentia perdido às vezes. Mas neste início a gente deixou o propósito falar mais alto e seguimos nossa intuição para seguir este caminho. Na medida que avançamos com os projetos e como muita coisa sendo pioneira na fazenda, como geração de energia solar. Fomos a segunda fazenda no estado de São Paulo a homologar um pedido de geração de energia por placas fotovoltaicas, a exposição em mídia começou a rolar. E foi nesse ponto que enfrentei situações chatas como: “Será que é ela mesmo que faz isso?”, “Como uma jovem mulher pode estar a frente de um projeto de sustentabilidade no agro?”. Louco isso, não? Comentários super preconceituosos. Mas vejo que estas dificuldades me fortaleceram e me moldaram com uma casca mais grossa que tenho hoje.

A sua gestão trouxe inúmeros ganhos aos negócios da família. Você credita todo esse crescimento principalmente ao investimento em tecnologia e sustentabilidade? 

Quando começamos a nossa jornada no universo sustentável algo que ouvíamos muito era: “Olha, geralmente quando se começa a trabalhar com sustentabilidade, a produtividade cai”. Esse foi um grande paradigma que conseguimos quebrar. Na fazenda, à medida que a coluna de sustentabilidade cresceu, a nossa produtividade também aumentou. Acredito que isso se deva a internalização da cultura de sustentabilidade dentro de nós e do nosso time. Esse é um movimento muito forte internamente, vira uma força motriz e uma motivação incrível. Além disso, a sustentabilidade é muito dependente de tecnologia e inovação. E quando a gente trás isso para o negócio, somado a bom manejo e pessoas cuidadosas, o resultado positivo aparece.

Quando decidiram focar em sustentabilidade enfrentaram críticas ou resistência?

Sim, muita resistência. Era algo ainda muito novo e pouco falado no agro. A primeira pergunta era se a gente abraçava arvores (risos). Eu obviamente respondia que sim, mas que fazíamos também várias coisas além disso. Que estávamos fazendo projetos com consistência técnica, com ajuda de ciência, de consultores, de muita gente boa e bem-intencionada. E com o passar o tempo esse assunto foi tomando corpo e foi ficando mais fluido, muito por conta da agenda ESG que o mundo embarcou.

Quais os principais investimentos realizados em sustentabilidade?

O nosso primeiro olhar para sustentabilidade foram projetos relacionados aos cuidados com o meio ambiente. Na fazenda atualmente geramos nossa energia elétrica por meio de placas fotovoltáicas (mais de 50.000 KWH por mês) e reutilizamos a água que vem por captação de chuva (armazenamos mais de 3.000.000 de litros). Reduzimos também os impactos dos resíduos, através de biocompostagem de toda a mortalidade em maquinário especializado. Com isso, além de evitar impactos ambientais, ainda produzimos um riquíssimo composto orgânico posteriormente utilizado nas nossas lavouras.

Quais os principais resultados na sua opinião? 

O principal resultado é um impacto positivo no meio ambiente. A partir de alguns pontos que eram problemas a gente começa a ter grandes presentes, como é o caso da mortalidade transformada em composto orgânico, isso é incrível na minha opinião. De passivos ambientais (mortalidade animal, por exemplo) a gente, por meio de tecnologia, pode transformar em reforço para o ecossistema (que é o papel do adubo no caso). Além disso, há os impactos em margem para o produtor, que isso é inquestionável. No caso da energia solar, essa geração representa a redução de 18% do custo operacional do produtor integrado de frango de corte, algo muito significativo. Sendo que o investimento, apesar de alto, tem retorno em prazo aceitável.

Como foi para você conquistar o prêmio Mulheres do Agro? 

O prêmio aconteceu em 2020, em uma edição que premiou mulheres por suas gestões sustentáveis e inovadoras. Eu não poderia ficar mais feliz: me senti muito reconhecida e que eu estava caminhando no sentido correto. Na época foi o gás que eu precisava para seguir muito fortalecida com os meus propósitos.

Como você vê a participação das mulheres hoje no agronegócio? 

Temos ganhos substanciais neste caminho. Ao longo do tempo vemos mais e mais mulheres assumindo posições de liderança dentro das fazendas. Mas são avanços que não atingem ainda a tão sonhada equidade entre os gêneros. Pelo último senso que temos acesso (de 2017), já um pouco antigo, mas é o dado ainda mais recente, vemos que 18% das propriedades rurais são lideradas por mulheres. Então temos avanços, mas temos muito para caminhar ainda, sem sombra de dúvidas.

Qual o papel das mulheres na busca por uma produção mais sustentável? 

Nós mulheres somos ótimas para visão sistêmica e holística. E a sustentabilidade precisa justamente disso: da consideração do todo, das medidas dos impactos, das formações e regenerações dos ecossistemas. Além disso, quem cuida do planeta e das finanças são pessoas. Então vejo que a sustentabilidade começa com o S do social. E, modéstia à parte, nós mulheres somos ótimas cuidadoras de pessoas.

Quais os planos para o futuro na avicultura e no agro? 

As principais empresas da avicultura assumiram metas robustas para os próximos anos, como alcançar o NetZero até 2040. Então com certeza o nosso setor terá um futuro ainda com mais baixo carbono. Mas até lá temos uma jornada a ser cumprida. E neste caminho precisamos estar todos juntos: produtores, indústria e governo. Precisamos entender como o pequeno e médio produtor será inserido nesta história, sobretudo com o desafio de crédito e de capacitação técnica para a jornada da sustentabilidade.

Quais as expectativas para o consumo e demandas para a avicultura?

Excelentes expectativas. A proteína de frango tem ótima abrangência por conta da acessibilidade por custo, é super saudável e tem um grande papel na sustentabilidade dentro do universo das proteínas: por conta da excelente conversão alimentar do frango e o ciclo produtivo ser curto, a pegada de carbono é muito eficiente. Em média para se produzir 1 kg de peito de frango se emite 4 kg de Co2 equivalente. Isso comparado a outras proteínas animais é algo realmente muito eficiente. Ou seja: há um enorme espaço para a carne de frango no mundo.

Qual o conselho que você daria para os produtores que começaram ou pretendem começar a investir em manejo e técnicas mais sustentáveis? 

Uma fazenda não se torna sustentável ao virarmos uma chavinha. É um caminho de desenvolvimento, geralmente longo e baseado em projetos. A chavinha que tem que ser mudada é dentro de nós: quando decidimos que vamos viver a sustentabilidade dentro de casa e dentro dos nossos negócios. Ai sim começa essa estrada. A minha primeira dica é que a sustentabilidade vire um propósito verdadeiro, mas que a ciência e a técnica guiem os projetos. Hoje a minha visão de sustentabilidade transita entre propósito, técnica e pragmatismo. Isso tudo tem que andar junto para haver sustentação dos projetos. Assim, meu segundo conselho é que além do propósito, os interessados se desenvolvam tecnicamente no assunto, ou procurem ajuda de quem já está com a caminhada mais avançada.

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