Por que cresce o número de produtores em recuperação judicial? - Produzindo Certo
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Por que cresce o número de produtores em recuperação judicial?

O campo brasileiro, acostumado a enfrentar secas, pragas e incertezas climáticas, enfrenta já há algum tempo outra frente de instabilidade: a financeira. No segundo trimestre de 2025, os pedidos de recuperação judicial no setor agropecuário cresceram 31,7% em relação ao mesmo período do ano anterior, alcançando 565 solicitações, segundo dados divulgados pela Serasa Experian. Os números acendem um alerta em um setor que, historicamente, é símbolo de resiliência e crescimento.

O aumento não é fruto de um único fator. Juros altos, volatilidade cambial, custos de produção crescentes, barreiras comerciais e eventos climáticos extremos compõem um cenário que pressiona o caixa e limita a previsibilidade. Para muitos produtores, a recuperação judicial surge como tábua de salvação. Mas, como toda decisão de alto impacto, ela traz riscos e consequências.

“Estamos em uma conjuntura de crédito mais restritiva e, como o agro é capital intensivo, a qualidade do crédito é essencial para o sucesso da operação. São poucos os negócios que se viabilizam com uma Selic a 15% ao ano, pois o custo de captação na ponta quase sempre acaba superando 20%”, destacou o CFO da Produzindo Certo, Thiago Brasil.

Além disso, a expansão acelerada de operações sem a devida gestão de risco agravou a situação. “Nos últimos anos, além de muitos entrantes sem experiência no setor, diversos produtores ampliaram sua alavancagem em ciclos anteriores de alta de preços e, agora, enfrentam dificuldades para honrar compromissos em um cenário de margens comprimidas”, explicou.

A recuperação judicial não é solução mágica

O instrumento jurídico tem sido usado por empresas de diferentes segmentos como uma tentativa de reorganizar dívidas e preservar a operação. No entanto, no agro, a decisão exige cautela. “Muitos querem apresentar a recuperação judicial como uma solução ‘fácil’ ou quase ‘milagrosa’. Isso não existe”, alertou Thiago.

Antes de qualquer movimento, o produtor precisa entender o seu contexto financeiro, os contratos, as garantias vinculadas e as projeções de geração de caixa. Em casos de alienação fiduciária, por exemplo, os bens dados em garantia podem ser excluídos do processo, comprometendo a capacidade de manter a operação. Um processo judicial longo e mal estruturado pode inviabilizar o acesso a crédito futuro, depreciar ativos e agravar ainda mais o problema inicial.

Além das armadilhas financeiras, há riscos legais importantes. “Ingressar com pedido de recuperação judicial sem preencher os requisitos legais, ou performar atitudes como omitir passivos ou esconder patrimônio, pode ser caracterizado como má-fé, com repercussões inclusive nas esferas cível e criminal”, ressaltou o CFO.

Algumas instituições financeiras já sinalizaram que estão trabalhando para combater o que chamam de “advocacia predatória” e estão reforçando mecanismos de monitoramento. Nesse contexto, decisões mal assessoradas podem custar não apenas patrimônio, mas também credibilidade.

Quando a recuperação judicial faz sentido

Mesmo com riscos, a RJ pode ser um instrumento legítimo em determinadas situações. Segundo Thiago, “faz sentido pensar em uma RJ quando a operação é viável no médio prazo, mas a estrutura da dívida está estrangulando a operação, comprometendo o fluxo de caixa e impedindo novos investimentos”.

Quando há alternativas de renegociação amigável ou consolidação de dívidas, recorrer à RJ pode ser um erro estratégico. “A recuperação judicial é um remédio mais forte, que deve ser usado apenas em situações necessárias e bem específicas. No agro, a perda de confiança é tão grave quanto a dívida em si.”

O papel das operações sustentáveis

Enquanto parte do setor busca saídas na Justiça, outros produtores têm encontrado no financiamento sustentável uma alternativa mais viável. “Operações sustentáveis demonstram maturidade elevada da operação em campo. Bancos e investidores olham com bons olhos porque entendem que práticas sustentáveis reduzem o risco de autuações, aumentam a resiliência da operação e abrem mercados diferenciados”, disse Thiago.

Além disso, já existem pagamentos por serviços ambientais e preços diferenciados para produtos mais sustentáveis. Esses mecanismos podem melhorar o fluxo de caixa e reduzir a dependência de crédito tradicional.

A política pública também começa a reconhecer esse caminho. O Plano Safra prevê descontos de até 0,5% nos juros para práticas sustentáveis, podendo chegar a 1% para produtores com Cadastro Ambiental Rural aprovado. A medida tem grande potencial para aliviar custos, mas ainda precisa evoluir.

Com base em dados do Banco Central, na safra 2023/2024 apenas 43 operações de custeio somando R$ 21,5 milhões foram beneficiadas. “A concessão deste benefício precisa ganhar tração, pois o montante impactado ainda é pequeno. Em tempos de crédito mais caro, benefícios como esse ajudam a recompor a margem final do produtor”, destacou o CFO.

A mensagem final é clara: recorrer à recuperação judicial exige preparo, planejamento e transparência. “Algumas portas se fecham com a RJ, portanto o plano de recuperação precisa ser muito consistente. O foco é a continuidade do negócio no médio e longo prazo, não o alívio inicial com a redução do endividamento”, orienta Thiago.

Alternativas extrajudiciais bem estruturadas, relacionamento de confiança com parceiros e adoção de práticas sustentáveis podem fazer a diferença entre uma retomada planejada e uma crise prolongada. Em um cenário de ventos fortes, não basta apenas resistir. É preciso preparar bem o terreno com inteligência financeira.