Uma viagem do Pantanal à Califórnia - Produzindo Certo
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Uma viagem do Pantanal à Califórnia

A importância de se fazer a gestão racional dos recursos naturais aproxima a produção agropecuária de dois universos distantes

O Google informa: 8.704 quilômetros distanciam Corumbá, no Mato Grosso do Sul, de Los Angeles, a maior cidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Muito mais distantes ainda são os universos em que os dois municípios estão inseridos.

Uma das portas do Pantanal brasileiro, Corumbá cresce às margens do rio Paraguai, em uma planície úmida com biodiversidade rica, tendo o agronegócio como base econômica para seus mais de 112 mil habitantes.

Los Angeles é uma metrópole à beira de um deserto. Uma potência econômica conhecida por hospedar Hollywood e seus astros, mas que reflete o poderio do mais rico estado americano. A Califórnia é o coração tecnológico do mundo e se orgulha por também ter domado as condições desfavoráveis para se tornar um dos celeiros agrícolas dos Estados Unidos.

O Pantanal e a Califórnia se encontram, no entanto, quando passamos a refletir sobre a urgente necessidade de administrarmos com sabedoria os recursos naturais. Um deles, talvez o mais fundamental de todos, está no centro das notícias envolvendo as duas regiões nos últimos dias: a água. Quando o debate começa, a distância entre os dois mundos termina em um único alerta.

A água dita o ritmo da vida no Pantanal. A refilmagem de uma novela de sucesso nos anos 1990 inspirou comparações sobre o estado da planície alagável que forma um dos mais espetaculares biomas do Planeta. O mundo mudou em três décadas. Por que não mudaria o Pantanal?

Anos sucessivos com regimes hídricos insuficientes e recordes de focos de incêndio em áreas com matas nativas acendem sinais de preocupação com a utilização nem sempre racional do seu território. A ilusão da abundância desapareceu.

Durante muito tempo, a pecuária pantaneira foi um exemplo de atividade bem adaptada ao fluxo de cheias e períodos secos. O pantaneiro sempre valorizou a relação com a natureza e sua importância para a manutenção do seu próprio negócio. Esse respeito continua existindo, mas com um entendimento de que há limites cada vez mais rígidos para a exploração dos recursos naturais. Estudá-los, compreendê-los e segui-los à risca é uma regra de ouro para o agronegócio responsável.

A água sempre ditou o ritmo da vida também na Califórnia. Ela não estava aparente, como no Pantanal, mas parecia infinita, congelada no topo das montanhas ou escondida em grandes aquíferos e jorrou abundante em imensos projetos de irrigação que transformaram o estado no maior produtor de hortaliças, castanhas, uvas e outras culturas agrícolas nos Estados Unidos. Graças à tecnologia, até mesmo cafés especiais se planta hoje por lá, consorciado com abacateiros que lhe fornecem sombra e refresco.

Mas a conta chegou. Anos sucessivos com regimes hídricos insuficientes e grandes incêndios florestais (a repetição do texto não é casual) acenderam o alerta vermelho de que não há mais água disponível para abastecer os oásis produtivos e as torneiras de milhões de californianos.

Na semana passada, a escassez levou o governo do estado a uma medida extrema: pagar para produtores rurais desistirem de produzir. Isso mesmo. Ao custo de US$ 2,9 bilhões, desenhou um plano que irá compensar agricultores que deixarem de plantar parte de suas áreas, com o objetivo de reduzir o uso de água em 1 bilhão de metros cúbicos por ano.

“Não temos que escolher entre ecossistemas saudáveis ​​ou uma economia saudável, podemos escolher um caminho que proporcione ambos”, disse o governador Gavin Newsom. “Este é um passo significativo e suado na direção certa.”

Há uma evidente diferença entre os biomas e mesmo os modelos de cultivo e abastecimento quando falamos de Pantanal e Califórnia. Por lá, durante muitos anos, uma enxurrada de dólares construiu sofisticados sistemas de canais e reservatórios que dirigiam artificialmente o destino desse recurso, que por aqui corre livremente sob os desígnios da natureza.

Lá, a ação extrema indica que talvez a consciência de governantes e produtores tenha chegado tarde demais. Aqui, no Pantanal, ainda há tempo para aprimorar os modelos de convivência entre produção e conservação. Informação, assistência técnica, apoio financeiro e valorização o produtor responsável precisam estar no roteiro dessa novela para se chegar a um final feliz.

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