Um olhar feminino para o agro responsável - Produzindo Certo
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Um olhar feminino para o agro responsável
Gerusa Trivelato, proprietária da Fazenda Zilmar (MS)

Nesse Dia Internacional das Mulheres Rurais, alguns dados para pensar sobre a presença feminina no agronegócio

A data é recente nos calendários do agronegócio brasileiro. Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, o Dia Internacional das Mulheres Rurais começou a ser efetivamente lembrado por aqui apenas nos últimos cinco anos, ainda assim de forma tímida. Se você não sabe, é neste 15 de outubro. Celebrar é preciso. Refletir sobre o que representa existir uma efeméride destinada ao papel da mulher no campo, muito mais.

Quando se fala de responsabilidade socioambiental no agronegócio, pouco se discute a desigualdade de gêneros nas atividades rurais. Numericamente, a presença feminina faz da produção agropecuária um segmento próximo do equilíbrio: segundo a ONU, as mulheres são responsáveis por 43% da força de trabalho no campo em todo o mundo. Mas essa representatividade ainda não se reflete em oportunidades na gestão e dos postos de decisão no ambiente rural.

ELAS AINDA NÃO APARECEM…

No Brasil, por exemplo, o número de mulheres no comando de propriedades rurais não chega a 20% do total. Segundo o Censo Agropecuário realizado em 2017 pelo IBGE, elas são 947 mil em um universo de mais de 5 milhões. Quando se fala na área administrada por elas, essa parcela é ainda menor: cerca de 30 milhões de hectares, ou somente 8,5% do total ocupado pelos estabelecimentos rurais no Brasil, segundo os dados, resultantes de uma análise do censo feita em conjunto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Embrapa e o IBGE, dentro do Programa Agro Mais Mulher.

Olhar com cuidado os números permite confirmar algumas percepções que se tem quando se convive com a realidade da produção agropecuária nas diferentes regiões do Brasil. Uma das principais é que regiões onde predominam as pequenas propriedades, de caráter familiar, são as que registram maior participação feminina na gestão, como o Nordeste (57%). Sul (11%) e Centro-Oeste (6%), que concentram empreendimentos de produção e maior escala, são aquelas em que o papel da mulher é menos visível. Dados da 8ª Pesquisa ABMRA Hábitos do Produtor Rural – IHS Markit, recém-divulgados, reforçam essa constatação. O levantamento mostra, por exemplo, que no Rio Grande do Sul, as mulheres têm participação na gestão de 88% das propriedades que produzem gado de leite, independente do porte. Nas áreas de produção de soja no cerrado mineiro, por sua vez, apenas 2% das fazendas têm uma mulher no comando.

…MAS ESTÃO CHEGANDO…

Trata-se, porém, de um cenário em transformação – e a presença de novas discussões em torno de boas práticas ambientais e sociais em negócios rurais de todos os portes têm contribuído para uma inclusão cada vez maior das mulheres nas decisões. A mesma pesquisa da ABMRA aponta que o espaço está mais aberto para elas, pois 94% dos produtores consideram “vital” e “muito importante” a presença da mulher no agro.

A ocupação começa pelo acesso ao conhecimento. Nas principais faculdades de agronomia, como a Esalq-USP, de Piracicaba, mais da metade das novas turmas já é formada por mulheres. Mais preparadas, elas abrem espaço também na sucessão familiar. Pesquisadores do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, ouviram um grupo de mulheres envolvidas na cadeia da soja na região do Matopiba, para entender seus desafios e perspectivas que cercam a atuação feminina e a sustentabilidade em uma nova fronteira agrícola, cuja produção é dominada por modernos sistemas agroindustriais. Cerca de 80% das entrevistadas afirmaram, entre outras coisas, que “o processo de sucessão familiar tem aumentado a presença de mulheres no campo”.

… PARA FAZER UM AGRO MAIS VERDE

Divulgado no começo de outubro, o estudo “Mulheres e Sustentabilidade no Sistema Agroindustrial da Soja” – liderado pelas professoras Ana Lúcia Kassouf e Sílvia Helena G. de Miranda e com execução das pesquisadoras Natália Salaro Grigol, Graziela Nunes Correr e Gabriela Garcia Ribeiro – traz uma série de insights e depoimentos que ajudam a entender porque um agro mais feminino pode ser também um agro mais responsável. Compilo, a seguir, alguns deles, assim como frases colhidas pelas pesquisadoras nas entrevistas:

  • Na percepção das entrevistadas, mulheres se destacam pela elevada capacidade interpessoal, a qual traz muitos benefícios em termos de comunicação, trabalho em equipe, resolução de conflitos, liderança e planejamento. No questionário, 73% das respondentes corroboram que “mulheres têm maior habilidade com a gestão de pessoas nas diversas atividades da cadeia da soja”
  • 42% das respondentes do questionário concordam que a infraestrutura é um fator limitante para a mulher estar no agronegócio e 40% concordam que a “preocupação com a segurança física das mulheres é um critério de menor inserção no campo”
  • Cerca de 90% das respondentes acreditam que é preciso aumentar ações das empresas como estímulos para inserção feminina. Cerca de 78% concordam que planos de carreiras específicos sejam importantes.

De acordo com o estudo, essa percepção está baseada em quatro pontos:

  1. Mulheres exercem mais empatia e afeto em suas relações interpessoais e, por isso, percebem melhor questões coletivas e de longo prazo. Por isso, têm certa facilidade em realizar um bom planejamento e gestão de recursos.

“É uma relação de responsabilidade. A mulher se preocupa mais, tem visão mais consciente. Tem um olhar mais ‘negociável’, no sentido de compensar a ação”

2. Mulheres são criativas e abertas à inovação e a sustentabilidade chega como uma inovação, que gera valor para o setor.

“As mulheres que estão chegando têm muito interesse em sustentabilidade. Elas entendem que sustentabilidade não é um apêndice, é parte do negócio.”

3. Mulheres valorizam o aprendizado para se inserir no setor e buscam conhecimento para tal, se preparando para lidar com temas sensíveis, como a sustentabilidade.

“Mulher tem um cuidado muito maior com questões ambientais. Porque às vezes são pequenos detalhes que o homem não percebe, não se liga… e não é coincidência que a maioria das pessoas que trabalham nos setores de sustentabilidade [de empresas] são mulheres.”

4. Mulheres são determinadas e resilientes, perfil importante para desenvolver temáticas complexas e conflituosas, como é o caso da sustentabilidade. Além disso, sabem abordar temas com estratégia e usar da diplomacia e persuasão em negociações.

No cotidiano da Produzindo Certo, em nosso escritório, em campo, nos contatos com produtores e com as empresas com as quais mantemos projetos, referendamos cada uma dessas percepções. Em nosso blog, contamos as histórias de muitas dessas mulheres que lideram transformações, inspiram mudanças e produzem com respeito ao ambiente e à sociedade. E fazem isso todo dia. Não apenas no 15 de outubro.