Toda conquista começa com uma semente. No caso de Mariangela Hungria, essa semente foi plantada ainda na infância, no quintal de casa, quando sua avó, professora de ciências, lhe mostrou que a curiosidade podia transformar o mundo. Ali, entre experiências simples e livros de microbiologia, nasceu o desejo de se tornar cientista.
Décadas depois, essa mesma curiosidade levou a pesquisadora da Embrapa Soja a conquistar o World Food Prize 2025, (Prêmio Mundial da Alimentação), conhecido como o “Nobel da Agricultura”.
Ao receber a notícia no começo deste ano, Mariangela não conteve as lágrimas. “Eu achava que tinha sido chamada para dar uma palestra. Quando disseram que eu tinha ganhado o prêmio, eu chorei, chorei, chorei muito. Ainda hoje me pergunto como me escolheram aqui da Warta, em Londrina para algo tão grandioso.”
Primeira brasileira a vencer o prêmio, ela dedicou sua trajetória a provar que microrganismos podem ser tão revolucionários quanto os insumos químicos. Uma aposta ousada que mudou o rumo da agricultura tropical.
Raízes no interior
Nascida em São Paulo, mas criada em Itapetininga (MG), Mariangela cresceu com a inspiração da avó. Foi ela quem lhe apresentou a história de Madame Curie, cientista que revolucionou o estudo da radioatividade, e também lhe presenteou, aos 8 anos, com o livro Caçadores de Micróbios. Foi assim que ela entendeu que mulheres também podiam ocupar o espaço da ciência.
“Minha mãe ainda pensava como a época determinava, com profissões consideradas femininas. Mas minha avó dizia: você pode ser o que quiser. Ela foi minha mentora.”
Na década de 1970, enquanto o mundo celebrava a Revolução Verde baseada na adubação química, Mariangela seguiu outro caminho. Apostou nos biológicos, mesmo quando muitos diziam que não havia futuro. “Nunca tive dúvida de que os microrganismos teriam papel importante. Mas todos diziam que eu estava na contramão.”
Uma carreira inspiradora
A trajetória da pesquisadora foi marcada por desafios pessoais e por encontros decisivos que moldaram sua carreira científica. Entre eles, destaca-se o período que trabalhou e estudou com a pesquisadora Joana Doberainer, referência mundial em microbiologia e então chefe da Embrapa Agrobiologia, no Rio de Janeiro.
“A doutora Joana foi a minha mentora científica. Ela que me ensinou realmente como ser uma pesquisadora, como eu deveria ler um artigo científico, as interpretações e principalmente que aqui no Brasil não é só você fazer a ciência, você tem que correr atrás do dinheiro para bancar as pesquisas”.
A busca por conhecimento levou Mariangela a realizar parte de sua formação no exterior, onde fez pós-doutorado e chegou a receber convites para permanecer nos Estados Unidos. Mas a decisão foi retornar ao Brasil, guiada pelo desejo de contribuir diretamente com a sociedade brasileira. “Eu jamais pensei em ficar fora. Aqui, mesmo com todas as dificuldades, o que a gente faz retorna muito mais para o país.”
Em 1991, transferiu-se para a Embrapa Soja, em Londrina (PR), por questões familiares. A mudança representou um recomeço profissional. Mas o que poderia ser um obstáculo, tornou-se o espaço para que criasse do zero seu próprio grupo de pesquisa, com a visão ousada de aplicar a microbiologia às grandes culturas.
Esse salto, que uniu determinação, ciência e propósito, seria decisivo para transformar a agricultura brasileira e, anos mais tarde, levar seu nome ao reconhecimento internacional.
“Desde o primeiro dia pensei em soluções para uma agricultura de altas produtividades. Porque se atende o grande, também atende o pequeno”, explica.
Hoje, mais de 85% da área de soja no Brasil utiliza inoculantes bacterianos desenvolvidos a partir das pesquisas realizadas pela Embrapa, representando mais de 40 milhões de hectares. Quando Mariangela iniciou os estudos, esse índice não chegava a 15%.
A contribuição da pesquisadora não se limitou à soja, estendeu-se a outras culturas. Tecnologias também para milho, trigo e outros cultivos mostraram que bactérias podem ampliar o sistema radicular, aumentar a eficiência do uso de água e fertilizantes e, ao mesmo tempo, melhorar a saúde do solo.
“São mais de 30 tecnologias nesses 34 anos que a gente lançou, todas pra maximizar a contribuição dos microrganismos, substituindo parcial ou totalmente os fertilizantes químicos”.
Um prêmio para o Brasil e para o futuro
Para Mariangela, o World Food Prize é mais do que um reconhecimento individual. É um marco que coloca a ciência brasileira no centro das soluções globais para a produção de alimentos sustentáveis.
“Hoje todos querem solos mais saudáveis, alimentos de qualidade e respostas às mudanças climáticas. Mas isso só se sustenta se vier junto com produtividade e lucro para o produtor”, defende.
Ao unir ciência, agricultura e paixão pela vida, a pesquisadora fez do Brasil referência mundial em biológicos. Sua vitória é também a vitória da agricultura tropical, que aprende a produzir mais sem abrir mão do equilíbrio com a natureza.
“O Brasil poderia ser líder em ciência agrícola no Hemisfério Sul. Mas precisamos de constância no investimento, porque ciência não se faz em dois ou três anos. Pesquisa devia ser considerada uma questão de soberania nacional.”