O governo federal anunciou, por meio da Medida Provisória 1.314/2025, um pacote emergencial de R$ 12 bilhões destinado à renegociação de dívidas de produtores rurais atingidos por secas, enchentes e geadas. Além desse valor, os bancos foram autorizados a liberar até R$ 20 bilhões adicionais em crédito, elevando o total do apoio financeiro a R$ 32 bilhões.
A medida busca aliviar as dificuldades enfrentadas por milhares de agricultores que acumulam prejuízos por causa de eventos climáticos. No curto prazo, o pacote garante fôlego financeiro, permitindo que esses produtores mantenham suas atividades e evitem inadimplência em larga escala.
Mas, apesar do alívio imediato, a questão que se impõe é se estamos investindo na prevenção de futuras crises ou apenas tratando os sintomas de um problema estrutural. A cada safra, novos pacotes emergenciais são anunciados, enquanto o debate sobre resiliência e gestão de riscos avança lentamente.
O custo invisível da equalização
As linhas de crédito anunciadas pelo governo operam com taxas de juros entre 6% e 10% ao ano, além de prazos de carência. Para que essas condições cheguem ao produtor, o Tesouro Nacional precisa arcar com a equalização de juros, um custo estimado em R$ 2 bilhões por ano. Esse valor, embora não esteja diretamente na conta do produtor, pesa no orçamento público.
Na prática, isso significa que o país destina bilhões de reais todos os anos para pagar o passado, corrigindo perdas já consolidadas. O problema é que esses recursos poderiam ser realocados para construir uma base mais sólida de resiliência no campo. Essa é a diferença entre renegociar dívidas e investir para que elas não surjam.
“Estamos destinando bilhões para aliviar o passado, quando poderíamos investir a mesma quantia para construir resiliência no futuro”, afirma Luis Lapo, diretor de novos negócios da Produzindo Certo. Para ele, a insistência em medidas de remediação perpetua um ciclo de endividamento, ao invés de estimular soluções estruturais para os produtores.
Seguro rural: prevenção mais barata
O orçamento do Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR) em 2025 foi fixado em R$ 1 bilhão, mas mais de 40% desse montante já foi bloqueado. O valor disponível é insuficiente para cobrir a crescente demanda dos produtores por proteção contra perdas climáticas. Em comparação, apenas a equalização de juros para os pacotes emergenciais consumirá o dobro desse valor.
A título de exemplo, se a mesma quantidade de recursos destinadas à equalização fossem realocados para o PSR, seria possível quadruplicar sua capacidade. Isso permitiria ampliar a cobertura de apólices, garantindo que os produtores estivessem protegidos contra quebras de safra sem depender de renegociações sucessivas.
“Em vez da renegociação da renegociação, teríamos prevenção estruturada”, reforça Lapo. A lógica é simples: seguros funcionam como uma rede de proteção coletiva, mais barata e eficiente, reduzindo a necessidade de pacotes emergenciais.
Agricultura regenerativa: caminho para resiliência
Além de ferramentas financeiras, o campo tem mostrado que a solução também passa por práticas produtivas mais sustentáveis. A agricultura regenerativa, por exemplo, vem ganhando espaço como estratégia para reduzir riscos climáticos, melhorar a fertilidade do solo e aumentar a estabilidade econômica das propriedades.
Um exemplo concreto é o Reg.IA, primeiro consórcio de agricultura regenerativa da América Latina. Em sua primeira safra, o grupo colheu 149 mil toneladas de soja regenerativa, com ganhos de produtividade e melhoria na saúde do solo acima da média nacional. Esses resultados mostram que investir em regeneração não é apenas uma pauta ambiental, mas também uma estratégia de negócios.
“Quem investe em regeneração hoje, investe em reduzir o risco de amanhã. É por isso que o mercado financeiro começa a enxergar valor nessa agenda”, afirma Charton Locks, diretor de operações da Produzindo Certo. A adoção dessas práticas, portanto, tem potencial de transformar o campo em um ambiente mais seguro e rentável, mesmo em cenários climáticos adversos.
O futuro: seguros mais verdes e integrados
O caminho mais promissor para o setor parece estar na convergência entre soluções financeiras e práticas sustentáveis. Seguros mais eficientes, vinculados a critérios de sustentabilidade, poderiam reconhecer o menor risco climático e financeiro de produtores regenerativos. Na prática, isso resultaria em apólices mais baratas para quem comprovasse práticas que reduzem vulnerabilidades no campo.
Essa integração de “finanças inteligentes + práticas regenerativas” tem potencial para mudar a forma como o agro brasileiro lida com riscos. Em vez de depender de pacotes emergenciais e renegociações constantes, o setor passaria a trabalhar de forma preventiva, protegendo tanto os produtores quanto os cofres públicos.
O futuro da agricultura depende de um equilíbrio entre crédito, seguro e sustentabilidade. O desafio, agora, é transformar esse discurso em política pública e prática de mercado.00