Nos últimos anos, a agricultura regenerativa deixou de ser apenas uma tendência global para se tornar um dos temas mais discutidos no agronegócio. O conceito, que surgiu para além da ideia de “reduzir impactos” e foca na regeneração ativa dos ecossistemas, já está presente em pequenas, médias e grandes propriedades, impulsionado por consumidores mais atentos à origem dos alimentos e por mercados que valorizam práticas sustentáveis.
O modelo integra técnicas que devolvem vida ao solo, aumentam a biodiversidade e reduzem a dependência de insumos externos. Diferente do manejo convencional, o foco está em reconstruir a capacidade produtiva natural das áreas agrícolas, criando sistemas mais resilientes e, ao mesmo tempo, economicamente viáveis para os produtores.
A base desse sistema está no manejo do solo: técnicas como manter a cobertura vegetal, promover a rotação de culturas, integrar lavoura e pecuária e reduzir ao máximo o uso de insumos químicos são alguns exemplos. Com isso, é possível criar um ambiente produtivo mais equilibrado, com maior retenção de água, controle biológico de pragas e maior fertilidade natural.
Entre os principais benefícios da agricultura regenerativa, destacam-se a melhora da estrutura e fertilidade do solo, o aumento da resiliência às variações climáticas e a redução de custos com insumos.
Do ponto de vista econômico, propriedades que adotam práticas regenerativas podem acessar nichos de mercado mais valorizados, como programas de certificação e pagamento por serviços ambientais, além de reduzir riscos produtivos em safras de clima irregular.
Cinco práticas de agricultura regenerativa:
Plantio direto
Essa técnica consiste em manter o solo sempre coberto com palhada ou plantas vivas, evitando a erosão, melhorando a infiltração de água e aumentando a matéria orgânica. O plantio direto reduz o revolvimento do solo e preserva os microrganismos benéficos, fundamentais para a fertilidade natural.
Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)
O sistema integra diferentes atividades na mesma área, promovendo diversificação de renda, sombreamento para o gado e ciclagem de nutrientes. A presença de árvores melhora o microclima e aumenta o estoque de carbono no solo, tornando a propriedade mais sustentável e produtiva.
Rotação e diversificação de culturas
Alternar culturas em diferentes safras e diversificar o plantio são estratégias que quebram o ciclo de pragas e doenças, reduzem a pressão sobre o solo e favorecem o equilíbrio nutricional. Além disso, aumentam a eficiência do uso de recursos como água e fertilizantes.
Uso de adubação verde e bioinsumos
Plantas de adubação verde, como leguminosas, fornecem nitrogênio natural ao solo e ajudam na fixação biológica desse nutriente. O uso de bioinsumos, como microrganismos benéficos e compostos orgânicos, substitui parte dos fertilizantes químicos e contribui para um solo mais saudável.
Recuperação de áreas degradadas
A regeneração de áreas improdutivas passa pela correção do solo, plantio de espécies nativas e manejo integrado para restaurar a fertilidade e a biodiversidade. Essa prática amplia a área agricultável sem necessidade de abrir novos espaços, reduzindo o desmatamento e preservando ecossistemas.
Consórcio de Agricultura Regenerativa
Um marco importante para o avanço desse modelo no Brasil é o Reg.IA, primeiro Consórcio de Agricultura Regenerativa da América Latina. Lançado em 2024, o projeto reúne empresas como Agrivalle, Bayer, BRF, Milhão Ingredients, o Grupo GAPES e a agtech Produzindo Certo. O objetivo é criar e validar protocolos práticos para adoção de práticas regenerativas, conectando pesquisa, tecnologia e produtores rurais.
Na safra 2024/25, o Reg.IA envolveu 38 fazendas em regiões do Cerrado, totalizando aproximadamente 37 mil hectares produtivos em culturas como soja e milho. Apesar de ainda estar no início, o projeto já alcançou bons resultados, como melhora na produtividade e forte adesão dos produtores.
O consórcio também oferece um prêmio financeiro de 2% sobre o valor da saca de soja ou milho regenerativo como incentivo para quem adere ao protocolo. A iniciativa tem estrutura escalável e planeja expandir para outras culturas e até mesmo para outros países da América Latina, posicionando o Brasil como referência no tema.
A adoção de práticas regenerativas no campo brasileiro está começando a render frutos não apenas em produtividade e conservação ambiental, mas também em oportunidades financeiras por meio da emissão de créditos de carbono.
O Brasil acaba de se destacar globalmente ao emitir os primeiros créditos por agricultura regenerativa nas Américas, um marco simbólico e estratégico. A certificação foi concedida pela Verra, referência internacional no mercado voluntário de carbono, a um projeto da Naturall Carbon, uma climate tech anglo-brasileira que lidera uma iniciativa no Cerrado e na região de Transição Amazônia-Cerrado.
O projeto piloto foi implementado na Fazenda Flórida, em Cassilândia (MS). O manejo adotado demonstrou ser capaz de remover carbono da atmosfera de forma mensurável, permanente e replicável, abrindo caminho para outros produtores brasileiros ingressarem nesse mercado.
Esse resultado mostra como é possível conectar agricultores ao mercado global de carbono por meio de ações regenerativas. Para os produtores, isso significa não apenas contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, mas também acessar fontes adicionais de receita, valorizando sistemas agrícolas que regeneram o solo e restauram ecossistemas.